Da igreja à Câmara, um objetivo
Após quase duas décadas dedicadas ao desenvolvimento de crianças e adolescentes nas esferas municipal, estadual e nacional, Alexandre Gil conta um pouco sobre os projetos realizados, o engajamento da população penapolense e a participação na vida pública.
Sua história começa cedo, fazendo parte de um grupo de jovens de igreja. Naquela época, como era o cenário? O que o levou a começar a atuar?
Eu tenho 38 anos. Nasci em Penápolis, onde ainda vivo. É uma cidade com uma cultura bastante religiosa. Aos dez anos, passei a ter uma participação ativa na igreja católica, em movimentos de juventude, numa perspectiva mais progressista. A Pastoral da Juventude, na qual comecei meu trajeto comunitário, foi criada dentro dessa perspectiva.
Inicialmente, nossos projetos eram muito simples, com base no assistencialismo. Mesmo assim, aos poucos comecei a atuar nesse campo, a me inserir nas questões da comunidade. Era uma liderança entre os jovens.
Essa experiência ajudou muito em minha formação. A partir dela decidi cursar a faculdade de Direito.
Foi a partir dessa época que a atuação pública com crianças e adolescentes se iniciou?
Sim. Logo no segundo ano da faculdade consegui um estágio na Promotoria de Justiça da cidade, no qual trabalhava diretamente com adolescentes que haviam cometido atos infracionais. Logo no começo de nossa atuação, identificamos uma questão séria, que era a dependência química. A maior parte desses jovens, violentos ou não, vinha desse contexto.
Procurávamos dialogar, atender o menor e seus familiares. Com o passar do tempo, surgiu a ideia de fundarmos uma instituição que atuasse com campanhas de prevenção. Assim, foi criada a associação Unidos Pela Vida, composta por representantes de toda a cidade.
Nessa época, surgiu a oportunidade de participar de um programa de desenvolvimento de lideranças comunitárias. Isso trouxe diversas perspectivas para que buscássemos estratégias de ajuda à comunidade. Foi um embasamento enorme que tive.
Imagine só: em uma cidade como Penápolis, religiosa, assistencialista, com base na caridade, começar a falar em investimento social corporativo foi uma quebra de paradigma muito forte. No entanto, conseguimos multiplicar nossas ideias com as organizações sociais locais. Debatemos muito com a população, que aos poucos foi absorvendo essa mudança, essa necessidade de profissionalização.
Como você vê a introdução do investimento social no resultado de seu trabalho?
Sempre muito positiva, desde o começo! Ainda no MP, fui convidado a participar do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Uma das questões trabalhadas era justamente a captação de recursos: muitos empresários doavam a esmo, sem ver a necessidade de cobrar resultados. Começamos a orientá-los sobre a importância de acompanhar o investimento feito.
Aos poucos, preparávamos a cidade (e os investidores) para se profissionalizar. Captamos recursos para o Fundo Municipal da Criança e Adolescente. Trabalhamos muito campanhas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, de prevenção de uso de drogas, nas escolas, divulgamos o ECA... isso foi extremamente importante naquele estágio inicial.
Como se deu a participação popular em tais questões?
A população tornou-se muito participativa com o tempo. Todos os projetos elaborados levam em conta a integração, a atuação em rede. Sempre discutimos abertamente as políticas públicas, tornando-as um trabalho em conjunto.
A atuação tem de ser horizontal. Via de regra, trabalhar essas questões com o poder público não é fácil, porque espera-se delas um padrão já muito verticalizado; no entanto, conseguimos quebrar isso e propor uma forma de trabalhar diferente.
Nesse contexto, vale citar o Programa REDIN, do qual participamos com representantes do primeiro e segundo setores, com foco na educação infantil. O programa foi fundamental para fortalecer a concepção da atuação em rede: o grupo intersetorial conseguiu avanços muito importantes, como o aumento nas vagas de creches para crianças e a formação continuada de profissionais de educação infantil. Empresas e organizações sociais também se integraram ao poder público para aumentar e qualificar essa atuação. Foi um trabalho extremamente significativo porque repercutiu fortemente na comunidade local. Teve impacto, aprendizado por parte da população.
A atuação direta com a Prefeitura foi um passo natural?
De certa maneira, sim. Em 2005, fui chamado para fazer parte da equipe do então novo Prefeito. Em pouco tempo, fui da Secretaria de Planejamento para a de Assistência Social. Para mim foi um passo natural: apesar de já estar formado nessa época, nunca gostei de ficar num escritório atrás de uma mesa. Isso sempre me deixou incomodado. Por sempre estar atuando voluntariamente nesses projetos, fui chamado para que pudesse me dedicar inteiramente.
Muita coisa foi feita nessa fase: além da atuação na Prefeitura, pudemos participar de um programa, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), focado na primeira infância. Agregou um conhecimento e valor imensuráveis. Aprovamos uma lei na Câmara Municipal para a realização da Semana do Bebê. Criamos também a Engatinhata, desenvolvida para conscientizar a população sobre o desenvolvimento físico-motor-emocional da criança. Fizemos o Plano Municipal pela Primeira Infância. Havia bastante espaço para atuar.
“SEMPRE DISCUTIMOS ABERTAMENTE AS POLÍTICAS PÚBLICAS, TORNANDO-AS UM TRABALHO EM CONJUNTO”
Quando se pensa em política, há uma grande preocupação com a durabilidade das ações. Como isso pode ser resolvido?
Sempre me preocupei muito com a questão da sustentabilidade dos projetos. Na vida pública, é constante o pensamento: hoje estou aqui. E amanhã, o que será de tudo que foi feito?
Para resolver esse problema, duas grandes correntes de ações foram seguidas. A primeira é a normatização das ações, a institucionalização por meio de lei. Um assunto regulamentado tem maior chance de continuar sendo cumprido. A segunda, de igual importância, é a mobilização social. Na medida que a população se apropria de ações e projetos, a chance de que não sejam levados adiante diminui drasticamente.
Foi o que trabalhamos: campanhas, palestras, ações, apoio da mídia... Acreditamos que a comunidade tem que se apossar das ações. Elas não pertencem apenas a um grupo ou ao governo, mas a todos.
Para isso, tudo tem que estar sempre muito bem fundamentado. Assim, é natural que as pessoas se apropriem do conhecimento. Isso representa seu enriquecimento, abre portas para que as coisas mudem para melhor. Empodera as pessoas como um todo, gera novas lideranças comunitárias e garante que o conhecimento adquirido será levado para frente.
E o período em que atuou como vereador de Penápolis? Quais os aprendizados?
Foi uma experiência diferente. Em 2012, havia uma preocupação crescente devida à proximidade do fim da gestão que nos dava abertura para participar e desenvolver projetos. Como queríamos que o próximo governo nos desse espaço para disseminar os programas, vimos uma saída na participação da campanha eleitoral. De 2013 a 2016, fui vereador, membro da Câmara Municipal. Continuamos atuando diretamente, fazendo com que as ações desenvolvidas até então se mantivessem. Mais uma vez, a institucionalização legal das ações e a mobilização social foram essenciais.
É importante ressaltar aqui que nossa formação, nosso conhecimento, continuava em expansão constante. Havia concluído minha especialização em Promoção e Desenvolvimento Infantil. Participamos de uma formação em Liderança Executiva para Promoção do Desenvolvimento da Primeira Infância, em parceria com a Universidade de Harvard. Outros municípios tomaram conhecimento de nosso trabalho e solicitaram apoio para desenvolver projetos semelhantes. Multiplicamos nossa experiência com os outros.
A área acadêmica também foi envolvida: a Fundação Educacional de Penápolis (FUNEPE), onde fui Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão por muitos anos, é muito envolvida nas questões comunitárias. Assim, conversar com estudantes sobre democracia, participação popular e engajamento é parte natural da troca de ideias no ambiente.
De maneira geral, como o cenário das políticas da Primeira Infância mudou em sua cidade?
Penso que uma coisa foi puxando a outra nessa linha do tempo; as coisas foram se encaixando de uma tal forma que hoje Penápolis tem uma visão muito mais ampliada sobre as necessidades da sociedade, não só nesse assunto como em muitos outros. Um engajamento bem mais consolidado. As pessoas têm condições de dar prosseguimento aos projetos da comunidade, por estarem empoderadas. Isso é maravilhoso.
Pensando para fora da cidade, creio que o estabelecimento do Marco Legal da Primeira Infância, no qual estive envolvido, fará com que os municípios consigam avançar bastante nessa questão. O instrumento permite que elaborem os planos e tenham pessoas comprometidas com seu controle. No entanto, é necessário que haja também o que houve aqui: institucionalização por meio de lei e, principalmente, mobilização social.
O embasamento da comunidade é sempre importante; trazer conhecimento às pessoas é uma forma de empoderá-las e garantir que seu comprometimento com as melhorias seja sério. Sensibilizar a população para as causas é garantir seu progresso. Isso é extremamente positivo.
“SENSIBILIZAR A POPULAÇÃO PARA AS CAUSAS É GARANTIR SEU PROGRESSO”
Após tantos anos, você certamente acompanhou o crescimento de algumas crianças contempladas pelos projetos. Qual a sensação de ver o seu trabalho aplicado?
É maravilhosa. É extremamente gratificante encontrar uma pessoa na rua, antes envolvida com, por exemplo, dependência química, e ver que hoje trata-se de um adulto responsável, uma mãe cuidadosa, uma profissional dedicada. Fico emocionado.
Tudo o que foi feito até hoje tem justamente esse objetivo. Fazemos justamente para contribuir com uma sociedade melhor. Quem antes estava à mercê dos problemas sociais hoje se beneficia do trabalho feito. Os círculos viciosos se tornaram virtuosos com nossa contribuição. É muito positivo, e me faz sentir que ainda há muito a ser feito.
Você possui muito apoio dos cidadãos. Como é sua relação com a população de Penápolis? Quais os fatores que permitiram essa liderança comunitária?
Vejo que elas me respeitam e reconhecem em mim algo bom, algo de liderança positiva, porque acompanham minha trajetória. Nada do que fiz até hoje foi pensando em dinheiro ou poder. Tenho uma vida simples, as pessoas me conhecem pelo que eu sou. Essa é minha ideologia de vida.
Todas essas ações das quais participamos, sempre voluntariamente, colaboram. Mesmo na política, com suas muitas contradições, sempre buscamos fazer da melhor forma possível, com muita honestidade. A população vai reconhecendo uma liderança, alguém que tenha contribuído. Eu me sinto bem aqui com as pessoas, e acho que elas também gostam de conversar comigo, discutir ideias.
Minha vida até agora foi pautada em trabalhar para ajudar os outros. Se tivesse seguido outro caminho, se fosse promotor de justiça, por exemplo, poderia estar com uma vida financeiramente melhor, mas não estaria feliz. Atuar em projetos comunitários me realiza muito porque vejo a possibilidade de contribuir para a melhoria de vida da população.
E o encorajamento da participação popular? Como as pessoas podem ajudar em projetos que beneficiem a comunidade?
As outras pessoas sempre podem se inspirar. Falar “eu também posso”, “eu também quero”. Quando damos à população condições de lutar por aquilo que acham certo, existe um encorajamento, pois descobrem que também há outros dedicados às mesmas causas. Encontrar companheiros sempre é bom.
Dentro disso, é necessário que se busque, além do engajamento próprio, o comprometimento de todas as entidades envolvidas. Somente quando todos estão cientes de seus papéis conseguimos alcançar os objetivos, as melhorias propostas. E o resultado é sempre positivo.
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